"A mobilização é o que me mantém de pé" – a história de uma mãe em busca de justiça

Uma mãe perdeu seu filho. Patrícia perdeu Gustavo. Ele pedalava tranquilamente na zona sul de São Paulo quando teve a vida levada por um ônibus trafegando em local proibido. Como superar? Apareceu uma força que ela não sabia que tinha

 A sensação de vazio sufoca, e a dor é enorme. Como superar uma tragédia repentina como essa? Patrícia Ferreira encontrou força e esperança transformando o desejo de Gustavo por uma cidade mais possível em uma causa real. Ela se somou à energia da geóloga e cicloativista Carla Moraes para transformar a avenida onde filho foi atropelado: o abaixo-assinado delas exige que a Avenida João Goulart, na zona sul de São Paulo, tenha segurança e sinalização para pedestres, ciclistas e todas as pessoas que passam por ali. Trabalhando juntas, elas perceberam que gerar mudanças é possível, desde que alguém dê o primeiro passo – hoje, já coletaram cerca de 50 mil assinaturas de apoio.

"Acho que a campanha é o que me mantém de pé. Acordar todo dia e lembrar que meu filho não está aqui dói, mas ele não ficou sem falar", diz Patrícia, que divide com Carla as tarefas da mobilização. "Eu sou a voz dele, e o abaixo-assinado vai continuar sendo a voz do Gustavo e mostrar que não foi culpa dele, foi imprudência."

Carla concorda. Aos 32 anos, ela pedala pelas ruas de São Paulo e usa a bicicleta como meio de transporte. Ela sabe o perigo que é um motorista inconsequente no trânsito.

"A gente acaba sentindo a perda da família, se sensibiliza e também se coloca no lugar do ciclista, porque eu também pedalo e poderia ser eu numa avenida sem sinalização adequada, com um motorista de ônibus imprudente", afirma. O coletivo Bike Zona Sul, do qual Carla faz parte, discute e realiza ações a favor da mobilidade e da segurança para todos os paulistanos, ciclistas ou não. 

Foi com uma ação do grupo, em memória ao Gustavo, que teve início toda a campanha.

à esquerda, carla Moraes; À direita, patrícia FERREIRA. elas somaram forças para mobilizar moradores da zona sul (IMAGENS: arquivo pessoal)

à esquerda, carla Moraes; À direita, patrícia FERREIRA. elas somaram forças para mobilizar moradores da zona sul (IMAGENS: arquivo pessoal)

Origens
Tudo começou quando o Bike Zona Sul noticiou o ocorrido com Gustavo, no final de abril. A irmã de Gustavo pediu que o grupo retirasse do ar uma imagem da bicicleta retorcida dele, ao que foi atendida. O grupo pediu, então, autorização para colocar uma ghost bike no local (para quem não sabe, ghost bikes são bicicletas brancas instaladas em memória a ciclistas que perderam a vida para a pressa de alguém).

Foi nesse momento que Carla fez o primeiro contato com Patrícia. Ela e a avó de Gustavo, Eunice, “foram muito solícitas e ficaram agradecidas com a homenagem”, que reuniu mais de 250 pessoas. A ghost bike foi instalada – estiveram presentes moradores, cicloativistas, estudantes que dividiram salas de aula com Gustavo, familiares, amigos e representantes da associação de bairro.

“Desde então, tive a ideia de fazer o abaixo-assinado, para que mais nenhuma vida fosse perdida naquela perigosa avenida”, afirma Carla, que é autora da campanha em conjunto com a Patrícia.

O abaixo-assinado ganhou o seguinte título: “Não queremos mais nenhuma morte na Avenida Presidente João Goulart!”, e, conforme avançou, fez crescer o sentimento de moradores do bairro, amigos e parentes de Gustavo de que é possível melhorar as condições na avenida e na região.

"Minha mãe [Eunice] foi às escolas onde o Gustavo já estudou. A movimentação foi muito grande, os alunos assinaram [a petição] e foram atrás, pediram apoio às famílias de São Paulo, Salvador e até do exterior, as famílias deles. Foi uma mobilização linda", conta Patrícia. 

Ela emenda: "Uma pessoa que dá o primeiro passo faz todo mundo atuar junto".

Sabe o prefeito?
No dia 9 de agosto, as vozes que pedem melhorias na Avenida João Goulart foram ouvidas pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Carla entregou a petição com 50 mil assinaturas para ele e o secretário de Transportes, Jilmar Tatto, e cobrou ações da Prefeitura.

“Fugi do protocolo, mas achei oportuno entregar na mão do prefeito naquele momento, pois uma das pautas da reunião da Câmara Temática de Bicicleta [onde Carla estava] era justamente sobre treinamento e capacitação de motoristas de ônibus, um dos nossos pedidos”, conta.

Carla recorda o que foi prometido pela Prefeitura para o local do acidente: “Houve um compromisso por parte do subprefeito da Capela do Socorro, Antônio Dias Barroso, juntamente com a CET, em fazer calçadas, sinalização viária e redutores de velocidade na Avenida João Goulart. Isso foi feito apenas em parte. Precisamos cobrar mais melhorias para que a Avenida se torne mais segura para todos”.

Sensibilidade
Na reunião da Câmara Temática de Bicicleta, Haddad demonstrou sensibilidade e leu alguns depoimentos, diz a geóloga. Ele olhou para a foto do Gustavo e perguntou à Carla: "Esse é o garoto? Que triste". O prefeito de São Paulo, então, entregou o abaixo-assinado na mão do secretário dos Transportes e disse: "Resolva esse assunto".

Carla Moraes entrega o abaixo-assinado nas mãos do prefeito fernando haddad. (imagem: bike zona sul)

Carla Moraes entrega o abaixo-assinado nas mãos do prefeito fernando haddad. (imagem: bike zona sul)

Na reunião, o foco da ação de Carla e do grupo Bike Zona Sul foi pressionar a Prefeitura para que discutam e adotem treinamento para os motoristas de ônibus, além de cobrar as melhorias na avenida. "Alguns encaminhamentos foram feitos e já estamos cobrando os responsáveis para que o treinamento ocorra o quanto antes", afirma ela.

Para Carla e para a Patrícia, as ações pelo treinamento vão além do que pode ser feito na avenida João Goulart – trata-se de um benefício para toda a cidade, já que os motoristas receberiam cursos para aprender a respeitar e lidar com ciclistas na via.

"Não adianta a avenida ser segura e as outras, como a Avenida Santo Amaro, não. É necessário treinar os motoristas", diz Patrícia. A mãe de Gustavo chegou a fazer um novo abaixo-assinado, dessa vez pedindo capacitação para todos os motoristas de ônibus.

União no bairro
Carla diz que ainda não é possível falar em conquistas da petição pela Avenida João Goulart, "pois muito pouco foi feito" pela Prefeitura. Mas um dos efeitos que ela aponta é que associações de moradores e líderes comunitários estão apoiando e cobrando que sejam feitas melhorias na região, e que há mais união no bairro após a mobilização em nome do Gustavo.

"A CET propôs ilhas para diminuir a velocidade, a região da avenida João Goulart é um local sem calçada, tem uma pista larga. O nome é tão bonito, o presidente Jango foi tão importante, acho que o mínimo que a cidade deveria fazer é honrá-lo", finaliza Patrícia, na expectativa de que em breve haja sinalização adequada, faixa de pedestres no local correto e controle de velocidade na pista.

A mobilização continua aberta, e cada assinatura é importante: www.change.org/JoaoGoulart.